sábado, 22 de novembro de 2014

PARECER SOBRE COBRANÇA ILEGAL DE DÍVIDAS NOS CONTRATOS DE MÚTUO BANCÁRIO

COBRANÇA ILEGAL DE DÍVIDAS NOS CONTRATOS DE MÚTUO BANCÁRIO


                                                               
 O mútuo bancário é um contrato real através do qual o banco empresta a título oneroso ao cliente certa quantia em dinheiro e a ser remunerado por este, tendo está figura contratual como matriz o mútuo civil, que é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda, obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade (artigo 1142º C.C.);

Nesta confluência pretendo levar a consideração se a prática de cobrança de dívida por incumprimento contratual do cliente-mutuário por parte da instituição bancária-mutuante, usando a mídia ou qualquer outro meio para dar maior visibilidade ao acto de cobrança, ofende o princípio constitucional ao bom nome e reputação, bem como à reserva da vida privada, consagrados no artigo 32º da nossa Constituição ou ofende o preceituado no 334º do C.C. e no 24º nº 1 da L.D.Consumidor:



"PARECER"


“O
s direitos fundamentais são hoje o parâmetro de aferição do grau de democracia de uma sociedade. Ao mesmo tempo, a sociedade democrática é condição imprescindível para a eficácia dos direitos fundamentais, sendo assim estes dois conceitos são indissociáveis”[1].
Direitos fundamentais são aqueles que por causa da sua natureza estão intimamente ligados à condição da pessoa humana, ou melhor dito, aqueles que visam a protecção do ser humano enquanto pessoa humana[2].
Segundo a moderna doutrina, direitos fundamentais são todos aqueles essenciais à pessoa humana, indispensável para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.
A liberdade de informação e de expressão está inscrita no quadro dos direitos, liberdades e garantias pessoais com assento constitucional, assim como em várias declarações internacionais de direitos, e tem por fim último garantir a plenitude da democracia.
Não se trata, porém, de um direito absoluto, pois a lei ordinária restringe-a nos casos expressamente previstos na Constituição, limitando-a ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
Entre os limites à liberdade de expressão encontram-se os direitos da personalidade, mais precisamente, o direito à honra, à privacidade e à imagem, os quais, alicerçados no princípio elementar da dignidade da pessoa humana, são, em regra, absolutos, universais, inalienáveis e irrenunciáveis.
A figura contractual encontra-se já definida, dispensando-se qualquer comentário, lembrando apenas tratar-se de um mútuo bancário que se reconduz propriamente a uma concessão de crédito a um particular fruto de uma relação jurídica contratual aonde ficam definidos em cláusulas contratuais as condições de concessão, bem como as consequências do inadimplemento das devidas obrigações ou prestações por parte do mutuário, por força do princípio “pacta sunt servanda”[3]. Mas o facto de se encontrar o credor constrangido com o incumprido do devedor não se lhe justifica o uso da mídia para fazer fé às suas exigências, pois para além de colocar o mutuário (consumidor padrão dos serviços prestados pelo banco – art. 3°/1, 4 coadjuvado com o art. 17° da lei nº 15/03- L.D.C.) exposto ao ridículo como preceitua o nº 1 do art. 24° da L.D.C., ofende clara e evidentemente os direitos consagrados no artigo 32° da C.R.A.
Trata-se de direitos de personalidade e estão previstos no artigo 70° C.C., e são de tal modo tutelados pela lei que constitui um limite para outros direitos. São praticamente invioláveis, tanto que a ofensa aos mesmos responsabiliza o ofensor a ressarcir o ofendido pelos danos causados, como sustentam os artigos 484°, 483° do C.C., não deixando de se constituir o acto do mutuante em abuso do direito (art. 334° C.C.), visto o recurso a mídia configura-se como um excesso manifestante aos limites impostos pela boa-fé, bons costumes…, tornando tal exercício ilegítimo. Lembrar que existirá sempre abuso de direito quando alguém, embora detentor de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência, criando uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.
Não podemos descurar do facto de estar tangente aqui violação do segredo bancário (artigos 56°, 59° e 60° dei nº13/05- Lei das Instituições Financeiras), senão mesmo do segredo profissional como dispõe o artigo 290° do Código Penal, pois a relação entre o banco (mutuante ) e o mutuário é intersubjectiva...


[1] Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, Hermenêutica Constitucional E Direitos Fundamentais. Brasília Jurídica: Editora, 2000.
[2] WEBBA, Mihaela, «Cidadania e Direitos fundamentais», A Pobreza e a construção da Democracia, Jornadas Científicas da Universidade Jean Piaget de Angola, Luanda, 2010, p.2.
[3] Consta do artigo 406° C.C. que os contratos devem ser pontualmente cumpridos, responsabilizando-se o incumpridor pelos danos resultantes do inadimplemento da prestação (art. 483°, 562° C.C.)

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