António celebrou um contracto de mútuo com Bernardo e Carlos, mediante o qual lhes mutuou a quantia de 1.000.000,00 kz . Nenhum pagou no prazo acordado. A intentou uma acção contra B .
a) Aprecie a legitimidade activa e passiva.
b) Quid Juris se o A não constituir advogado ?
Proposta de resolução:
A) Legitimidade processual
“Legitimidade processual é a susceptibilidade de ser parte numa acção aferida em função da relação dessa parte com o objecto daquela acção.” - Prof.Teixeira de Sousa, As partes o objecto e da acção.
A legitimidade visa assegurar que o autor e o réu são sujeitos que podem discutir a procedência da acção.
Dentro da legitimidade há que distinguir a legitimidade singular, que respeita a um autor e a um réu e a legitimidade plural que respeita, ou deve respeitar, a vários autores ou réus.
a) Legitimidade singular
A legitimidade singular pressupõe essa relação da parte com o objecto, resultando daqui que quem for titular ou quem se afirmar como titular do próprio objecto é sempre parte legítima, em princípio.
A lei admite também que seja um não titular de direito, levando à construção de diferentes situações de legitimidade como a legitimidade directa (aquela que pertence ao próprio titular do direito, que é a situação normal), e legitimidade indirecta (nos casos em que a lei admite que alguém que um não é titular de um direito venha a exercê-lo em juízo ,i.e., permite que um terceiro exerça um determinado direito em juízo).
O nº 1 do art.º 26.º regula que a legitimidade se afere pelo interesse directo em demandar ou contradizer ao dispor que o autor é a parte legítima quando tem interesse directo em demandar, e o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer. O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção; O interesse em contradizer, pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
O art. 26.º/3 procura ainda conceder uma maior precisão a estes conceitos dispondo que na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é figura pelo autor.
De notar que esse interesse em demandar e em contradizer permite apenas aferir a legitimidade directa. Não se deve, contudo, esquecer as situações de legitimidade indirecta, que acontecem nos casos de substituição processual e que podem ter origem na lei ou em convenção das parte.
Modalidades A legitimidade plural:
1) Litisconsócio voluntário comum e conveniente
Nos termos do art. 27.º/1, se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a acção respectiva piode ser proposta por todos os interessados. A doutrina ensina que o único efeito do litisconsórcio comum é estender o âmbito subjectivo do caso julgado a todos os litisconsortes . A sua preterição não gera qualquer ilegitimidade.
Quanto ao litisconsórcio conveniente, art. 27º 1, 2.ª parte, uma desvantagem originada pelo facto de não se chamarem todos os intervenientes na acção. Assim, o litisconsórcio voluntário conveniente foi baptizado pela sua conveniência, i.e., porque a parte visa obter uma vantagem que de outra não poderia ter. Preterindo-se o litiscónsorcio, para além de não ser possível opor a decisão proferida no processo aos sujeitos da relação material controvertida que não foram partes na instância não é possível ao autor obter a satisfação integral do interesse substantivo que resulta daquela relação material controvertida.
2) Litisconsócio necessário convencional
Há litisconsórcio necessário convencional quando as partes convencionaram que só era possível a propositura da acção por um contra todos ou por todos contra todos.
Só é possivel saber que existe litisconsócio necessário convencional através da interpretação da convenção do negócio jurídico na interpretação da convenção quanto ao litisconsórcio.
3) Litisconsórcio necessário legal
O problema levantado pelo litisconsórcio legal é que a lei normalmente não diz se deve haver ou não litisconsócio e é ao interprete que cabe analizar o regime legal e procurar indícios nesse regime para compreender se no caso concreto a lei está ou não está a exigir a intervenção de todos na acção para que seja assegurada a legitimidade.
4) Litisconsórcio necesário natural
O art. 28.º/2 dispõe que é igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão produza o seu efeito útil normal. Ou seja, é a natureza da sua relação jurídica que impõe o litisconsórcio para que a decisão produza o seu efeito útil normal. A lei vai mais longe ao fizer que a decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculado embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
No caso em apreço, estamos perante um contracto de mútuo civil nos termos do art.º 1142º e ss. Assim, António tem interesse directo em demandar, legitimidade activa (art. 26º nº1 CPC), e Bernardo será parte legítima com interesse directo em contradizer, legitimidade passiva.
Existem duas vias de resolução da presente alínea:
- Uma: se considerássemos que se estava perante obrigações solidárias (512º e 522ºCC), haveria litisconsórcio voluntário, nos termos do art.º 27º CPC
- Outra: Se considerasse-mos que estávamos perante obrigações parciárias, haveria litisconsórcio voluntário conveniente.
É litisconsórcio conveniente pois a parte que constitui o litisconsórcio, António, visa alcançar uma vantagem que não pode obter sem essa pluralidade de partes, activas ou passivas. Ou seja, a constituição de litisconsórcio é uma condição indispensável para alcançarem certo resultado ou efeito.
Pois, sem a participação de todos os devedores, neste caso, a acção só pode ser procedente na quota-parte respeitante ao sujeito presente em juízo (27º, nº1-segunda parte - CPC)
Ora neste caso, António pode propor acção apenas contra Bernardo, mas só vai obter da sua condenação em metade do montante da dívida (500.000 kz).
Portanto, será conveniente propor a acção também contra Carlos para poder alcançar os 1.000.000 kz, que só os consegue alcançar se houver a participação dos dois devedores.
Querendo alcançar essa vantagem teria que propor a acção também contra Carlos: Excepção dilactória nos termos do art.494º al.e de conhecimento oficioso nos termos do rt.º 495º CPC.
Quanto ao Patrocínio judiciário, este pode ser facultativo ou obrigatório: é facultativo quando não é imposto por lei; é obrigatório quando se dá por imposição legal.
Para o caso de António, a constituição é obrigatória nos termos da alínea a) do nº1 do art.º 32º CPC. Se não constituir existirá excepção dilactória nos termos da alínea e), do nº1 do art.º 494º CPC, e de conhecimento oficioso (495ºCPC). No entanto, esta falta de advogados quando obrigatória, é sanável nos termos artigo 33º CPC.