PROCESSO CIVIL I - LITISCONSÓRCIO
By Amélio Ramos - 15:40
A., B., e C são
comproprietário do Prédio Y. A propõe contra B. acção de divisão de coisa
comum. Aprecie a legitimidade activa e passiva.
O caso pratico em apreço envolve questões de legitimidade
activa e passiva, singular e plural. Começo a resolução com uma das conclusões
(a principal) a ser retirada: estamos perante uma situação de legitimidade
plural passiva, pois foi preterido um litisconsórcio necessário.
Vamos delimitar o nosso litisconsórcio para percebermos com
que tipo de legitimidade nos deparamos.
Pelo critério da origem, o nosso litisconsórcio é necessário,
significando isto que todos os interessados devem ser demandados, originando a
falta de qualquer deles uma situação de ilegitimidade, pois o litisconsórcio é
imposto ao autor da acção. Entre os vários tipos de litisconsórcio necessário,
o do caso em apreço será encontrado pelo critério da compatibilidade dos
efeitos produzidos – litisconsórcio natural, que é aquele imposto pela
realização do efeito útil normal da decisão do tribunal. Segundo definição legal
do nº 2 do artigo 28, 2ª parte, o
efeito útil normal é atingido quando sobrevém uma regulação definitiva da
situação concreta das partes ( e só delas) quanto ao objecto do processo,
revelando apenas eventualidade de a sentença não compor definitivamente a
situação jurídica das partes, por esta ser afectada pela solução dada numa
outra acção entre outras partes. Esta concepção corresponde a uma tese
minimalista que se contrapõe a uma outra tese maximalista, para a qual também
estariam englobadas na concepção de litisconsórcio natural (melhor: na
concepção de efeito útil normal) aquelas situações nas quais a repartição dos
interessados por acções distintas possa obstar uma solução uniforme entre todos
os interessados (ex. desta hipótese será uma acção de anulação de testamento). Embora
seja de adoptar a primeira tese exposta, como faz o Prof. Miguel Teixeira de
Sousa, para o nosso caso em concreto pouco importa, pois ele constitui uma
situação abrangida pela tese minimalista – só a intervenção de todos os
interessados pode compor definitivamente a situação entre todos os
comproprietários, porque qualquer divisão realizada entre apenas alguns deles é
necessariamente incompatível com uma nova divisão entre quaisquer outros. Continuando
na delimitação da nossa legitimidade plural, de acordo com o critério do
reflexo da acção, encontramos um litisconsórcio recíproco que será aquele em
que a pluralidade de partes determina um aumento do número de oposições entre
elas. Ora no caso em apreço verifica-se uma oposição entre cada um dos
contitulares com os demais, pois o que for atribuído a um deles não pode ser
concedido a qualquer outro. Outra classificação possível deste litisconsórcio
poderá apelidá-lo de unitário, pois a decisão da causa tem de ser uniforme para
todos os litisconsortes – é o critério que toma em conta o conteúdo da decisão
(o do outro possível litisconsórcio com base no mesmo será o litisconsórcio
simples, no qual a decisão pode ser distinta para cada um dos litisconsortes). Não
será obrigatório que um litisconsórcio necessário seja unitário, tal apena se
passa no chamado litisconsórcio natural pois este, qualquer que seja a sua
configuração concreta, baseia-se na necessidade de uniformidade da decisão (se
a decisão pudesse ser diferenciada para cada uma das partes, então não faria
sentido falar-se num salvaguardar do efeito útil normal – e também não se
falaria da (consequente) impossibilidade de compor o litígio. Menos importante
no caso, mas para dar uma imagem final de litisconsórcio, podemos classifica-lo,
com base no critério da posição das partes, como um litisconsórcio conjunto,
verificando-se que o autor formula (ou devia formular) o pedido conjuntamente
contra todos os litisconsortes demandados. Temos então que um pedido de divisão
de coisa comum que terá de possuir um litisconsórcio passivo necessário
natural, unitário, recíproco e conjunto.
Vejamos agora a situação em concreto. A, B, e C são comproprietários
do prédio Y. A propõe contra B acção
judicial de divisão da coisa comum. Nesta acção foi preterido, portanto, um
litisconsórcio passivo necessário, pois A
deveria ter demandado B e C, sob pena de não ser obtido com o desfecho
do processo o efeito útil normal, visto que a divisão de coisa comum resultante
do fim do processo seria sempre posta em causa por uma nova acção: imagine-se
que C propõe uma acção de divisão da
mesma coisa comum contra A e B – hipótese que poderia sempre ocorrer
tendo em conta que não existiria caso julgado com eficácia perante C,
pois este apenas vincula, em regra, as partes da acção, não podendo afectar
terceiros. No âmbito subjectivo, o caso julgado possui uma eficácia relativa – art. 673: a sentença constitui caso
julgado nos precisos limites e termos em que julga (consequência do princípio
do contraditório; seria de certo incongruente com este, que os terceiros – e C seria para todos os efeitos um
terceiro na primeira acção – pudessem ser prejudicados ou mesmo beneficiados –
pois para um terceiro ser beneficiado terá de existir um outro terceiro que
seja prejudicado, e mesmo que este último seja uma das partes da acção, nunca
teve oportunidade de contra-argumentar contra o terceiro beneficiado – pelo caso
julgado de uma acção em que não participaram, nem foram chamados a intervir). Ora,
voltando à nossa hipótese de C propor
acção com o mesmo objecto, demandando A
e B, do desfecho deste processo
sairia sempre uma decisão que friccionaria com a decisão proferida na anterior
acção, por estas razões pretendeu a lei que estas situações necessitassem de um
litisconsórcio passivo. Pois bem,: existe ilegitimidade passiva.
Analisando agora a parte activa da acção, começo outra vez
com a conclusão: existe legitimidade singular activa. Antes de analisarmos a
legitimidade singular, cabe questionar se não foi preterido um litisconsórcio
necessário, atendendo as suas três modalidades: legal, natural e convencional. Começando
pelo primeiro, vemos que na lei não existe qualquer natural e convencional. Começando
pelo primeiro, vemos que na lei não existe qualquer imposição que obrigue a um litisconsórcio activo para o nosso caso
em concreto. Estas situações estão pensadas para hipóteses em que existindo
vários titulares de direito, não poderia a acção ser desencadeada por apenas um, pois o(s) outro(s) podem acarretar co possíveis (e pretendidas
pela parte que inicia a acção, sendo que podem não ser pretendidas pelo(s)
outro(s) tirular(es) – é esta a questão) obrigações com o termo do processo. Um
exemplo é-nos dado pelo nº 1 do art.
1410 do C.C no caso da acção de preferência: se um dos titulares deste direito não pretende
iniciar a acção é porque não quer acarretar com a obrigação, imagine-se, de
pagar o preço do carro; se a lei não prescreve um litisconsórcio, então isso
significava que um dos titulares do direito não poderia decidir sequer se o usava
ou não (estaria, então, em face da outra parte numa sujeição e não numa
contitularidade do direito – tal seria vedado pelo princípio da
instrumentalidade do processo pois operar-se-ia uma passagem de uma situação
activa – no direito substantivo – para uma situação passiva - no direito adjectivo). No caso de uma acção
de divisão de coisa comum tal não se
passa. Se existem vário contitulares de um direito (como na anterior hipótese descrita),
não os onera no entanto o desfecho do processo com resultados que não tenham, de suportar se não quiserem,
pois estes não têm direito a totalidade da coisa e aquela parte a que têm
direito não sairá afectada no final da acção, pelo contrário, sairá finalmente
encontrada (delimitada). Também não exige a lei para a legitimidade activa que
esta seja plural devido ao efeito útil normal, pois este será igualmente
salvaguardado.
Restaria apenas, para podermos concluir por uma necessidade
de litisconsórcio activo, que as partes tivessem acordado que o direito de
divisão de coisa comum não poderia ser exercido por um único comproprietário,
facto que criaria um litisconsórcio convencional. Porém, a hipótese não só
fornece dados de que existisse tal estipulação entre as partes. Resta-nos, então, averiguar da legitimidade singular.
A análise da legitimidade singular é repleta de questões
doutrinárias e problemáticas, desde saber como se averigua a legitimidade (ou falta dela) até se
perceber quais as consequências processuais da ilegitimidade. Temos como
posições exemplares nesta matéria as doutrinas de Alberto dos Reis e de Barbosa
de Magalhães, simplificadamente: o primeiro entendia que a legitimidade se
percebia pela situação efectivamente existente (no plano material), sendo que
para tal é necessária a contestação do réu, e sempre que existisse uma ilegitimidade
quer da parte activa quer da parte passiva, a consequência processual seria a absolvição
da instância (corolário lógico, pois é a instância que não possui pressupostos
para avançar); por outro lado, entendia Barbosa de Magalhães que a situação
relevante para se perceber da legitimidade seria a situação controvertida tal
como configurada pelo autor (entenda-se, na petição inicial), ora para tanto
nem seria necessária a intervenção do réu para se perceber da legitimidade pois
a petição inicial é a que existe e tudo o que o réu invocasse seria sempre no
plano substantivo, ou seja, diria que não existe a legitimidade material que
suporte o pedido. A questão da ilegitimidade processual redundaria então em
casos raríssimos nos quais, a verdade é esta, o autor se baralha no pedido, por
exemplo dizendo: celebrei um contrato de compra-e-venda de um automóvel com A, este não me pagou, por isso peço a
condenação de B, mas falha também o
próprio pedido e, por isso, o desfecho do processo seria a improcedência do
mesmo – o que é igual a dizer que existirá uma decisão de mérito e não de
forma.
Para dar um panorama geral de posição legal, posso referir que
o CPC adopta a posição de Barbosa de Magalhães para se saber de qual a situação
a revelar para aferirmos da legitimidade (a situação controvertida configurada
pelo autor – nº 3 do art. 26 do CPC),
mas escolhe a posição de Alberto dos Reis para a consequência da ilegitimidade
(absolvição da instância – alínea e) do
art. 494). Mais se deveria dizer, mas deste modo fica completo o panorama
geral.
Para o nosso caso em concreto tal discussão doutrinária não
revela, pois quer no pedido quer na situação efectivamente existente, A possui legitimidade. Senão vejamos:
diz-nos o nº 1 do art. 26 que o
autor é parte legitima quando tem o interesse em demandar, sendo completado
pelo nº2 que nos refere que o interesse directo em
demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção. Ora, A pretende divisão de coisa comum da qual é
comproprietário e da procedência da acção verá delimitada a sua parte na coisa;
veja-se o nº 1 do art. 1412 C.C,
dispondo que nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na indivisão. Este
é um dos casos de legitimidade directa, na qual se sobrepõem legitimidade
processual e legitimidade substantiva. Existe então legitimidade singular
activa do autor.
Chegamos a um ponto em que perguntamos: “existindo ilegitimidade
passiva o processo acaba com a absolvição da instância ou haverá maneira do
mesmo continuar”? O processo pode continuar, dando-se uma intervenção de
terceiros que consiste numa constituição como partes de sujeitos jurídicos que
o não são inicialmente. Existem três tipos de intervenção: a principal (arts. 320 à 329), a acessória (330 a 341) e a oposição (342 a 359). No caso interessa-nos a
intervenção principal, na qual o terceiro (no nosso caso, C) constitui-se como réu em
litisconsórcio. Esta intervenção poderá ser espontânea (arts 320 e ss.) ou provocada (arts.
325 e ss). em caso de intervenção espontânea a sua forma poderá ser de
articulado próprio ou adesão aos articulados da parte a que se associa (art. 321). Quanto ao momento em que se
pode intervir, será até ao trânsito da sentença (art.322). por outro, a intervenção provocada só se poderá verificar
até ao momento do despacho saneador (arts.
323 e 326), podendo, porém, verificar.se até ao trânsito em julgado da
decisão que julgue ilegítima uma parte por não estar em juízo determinada
pessoa (nº 1 do art. 269), podendo
mesmo ser admitido o chamamento nos trinta dias subsequentes ao trânsito em
julgado, se a decisão referida tiver posto termo ao processo ( número 2 do artigo 269). Neste modelo
de intervenção o interveniente será citado (nº 1 do art. 327) e a sentença constituirá sempre caso julgado em
relação a ele, quer intervenha quer seja chamado e não intervenha ( nº 1 e alínea a) do nº 2 do art. 328).
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